La vie en rose de Maria Antonieta | ||||||
A última rainha da França chega aos cinemas como a jovem simpática e divertida que animou Versalhes com festas, jogos, vestidos sofisticados e penteados originais | ||||||
por Graziella Beting | ||||||
Guilhotinada pela Revolução Francesa em 1793, a controvertida Maria Antonieta não guardou a melhor das reputações entre os franceses, embora tivesse tido um início de reinado extremamente popular. E eis que, em pleno século XXI, surge, de Hollywood, uma Maria Antonieta encantadora, sofisticada, desafiadora e... simpática! Essa é a imagem da arquiduquesa austríaca apresentada no novo filme da diretora Sofia Coppola, que estréia nos cinemas brasileiros neste mês. Maria Antonieta, o filme, estreou no festival de cinema de Cannes como favorito, e saiu vaiado por grande parte do público - franceses, em sua maioria. Nos Estados Unidos, fez sucesso. O longa-metragem não apenas reabilita a última rainha da França como a transforma numa personagem pop, lançadora de tendências, em plena Versalhes do século XVIII. O filme se inspira no livro escrito pela inglesa Antonia Fraser, autora de biografias históricas de sucesso na Inglaterra. A obra sobre a vida de Antonieta, publicada em 2001, acaba de sair no Brasil, pela Record. A transformação do livro de 500 páginas em roteiro de cinema foi assinada pela própria Sofia Coppola e contou com a consultoria técnica da historiadora francesa Evelyne Lever, autora de outra biografia sobre a rainha. A versão de Sofia Coppola para o que se passou em Versalhes entre os anos de 1770 e 1789 - do casamento com o herdeiro do trono francês Luís XVI à transferência da família real para o centro de Paris, sob a revolução - cria uma inevitável empatia em relação àquela que foi condenada à morte sob acusação de traição, manipulação, articulação política, infidelidade, promiscuidade e até por manter uma relação incestuosa com o filho mais novo. A Maria Antonieta vivida por Kirsten Dunst (a loira que fez o papel de namorada do Homem-Aranha) está centrada principalmente no período de glória vivido pela estrangeira, recebida como a delfina da França (futura rainha consorte). | ||||||
Quem pretende, portanto, aproveitar o filme para reavivar na memória os eventos da revolução que destituiu a monarquia francesa no século XVIII sairá provavelmente frustrado do cinema. Idem para quem espera do filme uma reavaliação do papel da arquiduquesa austríaca na história da França. O longa adota como base a biografia assumidamente simpática à figura de Maria Antonieta e a transforma em uma heroína pop, adolescente incompreendida que se sente deslocada no estilo de vida da corte de Versalhes. A arquiduquesa Maria Antônia Josefa Joana de Habsburgo, que foi enviada à França aos 14 anos para casar com o futuro herdeiro do trono, é mostrada como a menina que foi arrancada do ninho familiar para assumir um papel politicamente esquadrinhado por suas famílias. O casamento com o delfim Luís Augusto selava a união da França e da Áustria após a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), interessante para as duas casas, tanto os Bourbon (reis da França) como os Habsburgo, da Áustria. A poderosa e controladora imperatriz Maria Teresa da Áustria não tinha feito exatamente esse plano para sua décima quinta filha, Maria Antonieta. Mas a necessidade da aliança com a França e a morte de uma das irmãs mais velhas de Antonieta a transformaram na principal pretendente daquela geração dos Habsburgo. E, no entanto, ela havia sido muito pouco treinada para isso - certamente menos que as irmãs. Assim, a imatura Maria Antonieta se viu cruzando a fronteira, em 1770, para assumir o papel de delfina francesa. Foi bem recebida pelo rei Luís XV, que, ao que consta, fez comentários elogiosos à sua beleza - enquanto seu neto, o noivo Luís Augusto, futuro Luís XVI, não parecia muito preocupado com esses detalhes. | ||||||
A futura rainha da França manteve a popularidade em alta mesmo tendo demorado mais de dez anos para concretizar o objetivo de seu enlace com o também jovem Luís XVI: a geração de um herdeiro. O que o filme de Coppola deixa de contar é o que aconteceu no espírito francês para que a bela arquiduquesa, tão querida de início, se tornasse alvo de grande parte do ódio dos revolucionários e terminasse sendo identificada como símbolo dos excessos da corte do Antigo Regime, como representante da abissal distância entre povo e realeza, fato que a levou, como se sabe - apesar de o filme não mostrar -, à condenação pelo Tribunal Revolucionário e à execução, em 1793. A redenção da "Austríaca" A biógrafa Antonia Fraser deixa clara a sua intenção de redimir a "Austríaca" - como Maria Antonieta ficou pejorativamente conhecida pelos súditos franceses - de sua má reputação. No livro que originou o filme, inúmeras vezes qualifica as críticas do povo contra a rainha como "injustas", "cruéis" e "ridículas". No episódio das Jornadas de Outubro (manifestação popular diante de Versalhes que conseguiu, em 1789, fazer com que o rei liberasse seu estoque de mantimentos para o povo, que sancionasse leis da recém-criada Assembléia Nacional Constituinte, e que se mudasse com a família real para Paris), Fraser designa as manifestantes como "mulheres da feira". Esse tom permanece na versão cinematográfica. "O foco do filme não é a Revolução Francesa, mas as breves referências que são feitas a ela acabam por construir uma visão bastante reacionária do momento", analisa o historiador Claudio Almeida, especialista em cinema e história que, a convite de História Viva, assistiu a uma exibição especial do longa-metragem. "Para o espectador, a impressão final que fica da revolução é a da turba que invade e destrói o quarto da rainha, acabando com todo aquele glamour", considera Almeida. Além de desqualificar as críticas dos revolucionários contra a "Madame Déficit", como Maria Antonieta passou a ser chamada pelo povo, a biógrafa inglesa, que passou meses pesquisando nos Arquivos Nacionais franceses para montar seu livro, nega as acusações mais famosas - ou folclóricas - que pesam contra sua personagem. É o caso da famosa frase, "Se [o povo] não tem pão, que coma brioches!", que teria sido pronunciada por Maria Antonieta quando informada de que a população francesa passava fome. Fraser considera "muito pouco provável" que a rainha tenha dito isso, e ressalta que a anedota já era contada muitos anos antes, em outras cortes. | ||||||
Um dos pontos mais explorados pelo filme - até excessivamente, pode-se dizer - é a demora de sete anos para a consumação do casamento entre Luís XVI e Maria Antonieta. Coppola alonga-se até mais que Fraser sobre essa questão. Casados em 1770, Luís Augusto e Maria Antonieta só foram conseguir manter uma relação sexual completa sete anos depois. O assunto, que preocupava principalmente os arquitetos do casamento - a imperatriz Maria Teresa e o rei Luís XV -, era importante porque um filho homem do casal seria o próximo herdeiro natural do trono. E caso a união não rendesse descendentes, a coroa passaria para outro membro da família. O tema originava também diversos panfletos e libelos que satirizavam a incapacidade do delfim - que, diga-se, era popularmente visto como um imbecil, despreparado e facilmente manipulável. O fracasso sexual caía, portanto, como uma luva para as zombarias. Enquanto filme e livro assumem a tese de que a dificuldade conjugal era um problema exclusivo do esposo, que teria sido até examinado por médicos, a historiadora francesa Simone Bertière, autora do livro Marie Antoinette, la insoumise (Maria Antonieta, a insubmissa), considera que a suposta impotência do delfim tenha sido "um acordo tácito do casal, no qual ambos tenham preferido a abstinência". Segundo a historiadora, Maria Antonieta "tinha horror à maternidade", e teria lançado "uma nuvem de fumaça no assunto, visando imputar o fracasso ao delfim". Seja como for, a rainha acabou tendo quatro filhos e, embora boatos dessem conta de que nem todos eram de Luís XVI, essa questão não chegou a se tornar um problema político - até porque os descendentes morreram antes de que a monarquia fosse brevemente restaurada, no final da revolução. Ainda sobre o leito de Maria Antonieta, a versão cinematográfica dá como certo o romance entre a rainha e o conde sueco Fersen, fato visto com ressalva pelos historiadores e pela própria Fraser, que é mais cautelosa ao sugerir que houve um caso entre os dois. As tórridas cenas de amor que se vêem na película não passaram, para Bertière, de uma paixão que não chegou às vias de fato. Talvez por isso, Coppola tenha optado por assumir a relação, contribuindo com mais um elemento para essa nova leitura da figura de Antonieta como uma mulher moderna, que rompia padrões e antecipava comportamentos. | ||||||
Essa distância da realidade com a imagem criada pela ficção é assumida pela diretora, que cria uma série de anacronismos no filme, combinando cenas da corte do século XVIII com vertiginosas canções pop-rock de bandas dos anos 80 e começo dos 90. "Acredito e espero que essa música pop ajude o público a se imaginar no lugar dela e a captar o espírito das adolescentes", declarou a cineasta. Um toque fashion Para o historiador Marcos Vinícius de Morais, que também participou da exibição especial do filme a convite de História Viva, essa opção de linguagem chega a incomodar. "Maria Antonieta parece uma adolescente da classe média alta de hoje caída de pára-quedas na França do século XVIII", considera. O historiador vê paralelos entre a personagem encenada por Kirsten Dunst e as protagonistas dos dois filmes anteriores da diretora. "Nos três casos, a personagem principal é aquela garota deslocada em seu meio, vivendo uma combinação entre solidão e tédio", analisa. "Mas essa idéia de solidão é muito atual, ela só é um problema na contemporaneidade." Seja porque Sofia Coppola, a cineasta, já foi estilista de moda, seja porque a própria rainha austríaca inspira essa fama, o filme está sendo responsável por um revival da "moda Maria Antonieta", tanto no vestuário como no mobiliário. As cenas em Versalhes foram extremamente bem reconstituídas, com ênfase na decoração e na recriação dos famosos figurinos de Antonieta. O filme mostra o ritual diário de escolha do modelito pela rainha, que selecionava o vestido a ser usado em uma espécie de "cardápio" oferecido por suas damas. O próprio castelo de Versalhes está tirando proveito dessa voga Antonieta. Desde julho, oferece aos turistas o "pacote Maria Antonieta" de visitação aos jardins e domínios da rainha no complexo real. Inclui os locais nos quais a rainha se refugiava das formalidades da corte, como a Pequena Aldeia (Petit Hameau), onde se distraía levando uma vida simples de camponesa, chegando até a ordenhar vacas e ovelhas; o teatro, construído por ela e onde a própria Antonieta encenava algumas peças; o jardim inglês, cujo paisagismo foi recentemente reconstruído exatamente da forma como projetado pela rainha, com base em arquivos históricos; e, por fim, o Petit Trianon, um minicastelo que foi doado a Maria Antonieta. Construído por Luís XV para Madame Pompadour, uma de suas "preferidas", como se dizia sobre as amantes do rei, o pequeno palácio será inteiramente restaurado, sob patrocínio de uma empresa mecenas, e está fechado desde novembro passado. A previsão de abertura é em abril de 2008. | ||||||
O mercado editorial e o audiovisual também não deixaram de acompanhar o momento em que as atenções se voltam à controversa rainha. Dos Estados Unidos vêm o lançamento de Queen of fashion, um estudo, escrito por Caroline Weber, professora da Barnard College - para quem "nenhuma outra rainha, exceto talvez Cleópatra, foi tão consciente de que sua vestimenta faria história" -, e os romances The hidden diary of Marie Antoinette, de Carolly Erickson, e Abundance: a novel of Marie Antoinette, por Sena Jeter Naslund. Na mídia e nos livros No Brasil, além do recente Maria Antonieta, de Antonia Fraser (Record), que já traz Kirsten Dunst na capa, há também a biografia homônima da francesa Evelyne Lever (de 1991, lançada pela Objetiva), consultora do filme. Na França, a historiadora acaba de lançar um condensado de suas pesquisas sobre a rainha, C\\'était Marie-Antoinette (Fayard), e assina outras duas obras recentes, Les dernières noces de la monarchie (Fayard, 2005) e a Correspondance de la reine (Tallandier, 2005). O maior lançamento, na França, vem pela editora Bouquins: uma antologia que faz uma espécie de fortuna literária de Maria Antonieta, que reúne desde a biografia escrita pelos irmãos Goncourt até a de Chantal Thomas. Destaque seja dado à obra escrita em 1932 por Stefan Zweig (esgotada em português), que permanece sendo, se não a mais completa historicamente, pelo menos a mais emblemática das biografias dedicadas a Maria Antonieta. O CANAL PÚBLICO DE TELEVISÃO AMERICANO PBS REALIZOU UM DOCUMENTÁRIO DE DUAS HORAS SOBRE A ÚLTIMA RAINHA FRANCESA, EXIBIDO EM OUTUBRO PASSADO; E A FRANÇA LANÇOU DOIS DVDS: PELA ÉDITIONS MONTPARNASSE, O DOCUMENTÁRIO BEM ILUSTRADO E RECHEADO DE COMENTÁRIOS DE HISTORIADORES MARIE-ANTOINETTE (DE DAVID GRUBIN), E PELA FRANCE TÉLÉVISIONS DISTRIBUTION, O DOCUMENTÁRIO-FICÇÃO DIRIGIDO POR YVES SIMONEAU. | ||||||
Destino de Rainha | ||||||
1755 Nasce Maria Antônia Josefa Joana de Habsburgo, em Viena, Áustria 1770 Casamento com Luís Augusto (futuro Luís XVI), selando a aliança franco-austríaca 1774 Morte de Luís XV e coroação de Luís XVI 1778 A França se endivida para sustentar a guerra de independência americana. Nasce a primeira filha do casal, Maria Teresa Carlota 1781 Nasce o delfim, Luís José Xavier Francisco 1788 A dívida francesa chega a 318 milhões de libras, metade do orçamento do Estado. Maria Antonieta ganha o apelido de "Madame Déficit" 1789 Em junho, morre o delfim Luís José. Em julho, é proclamada a Assembléia Nacional Constituinte, seguida da Queda da Bastilha 5 e 6 de outubro de 1789 Marcha para Versalhes para pedir pão (Jornadas de Outubro). A família real se instala em Paris 1791 Luís XVI, Maria Antonieta e os filhos tentam fugir da França. Reconhecidos, são obrigados a voltar 1792 Em agosto, o rei é deposto e vai, com sua família, para a Prisão do Templo. Em setembro, é proclamada a República 2 de agosto de 1793 Maria Antonieta é transferida para a prisão da Conciergerie 16 de outubro de 1793 Maria Antonieta é guilhotinada | ||||||
MARIA ANTONIETA A rainha aparenta tristeza, uma aflição devido a sua impopularidade crescente e à morte de sua quarta filha, recém-nascida. MARIA TERESA Apoiada no ombro da mãe, a primogênita, conhecida como madame real, não tem a alegria nem a tranqüilidade de uma criança de sua idade. LUÍS CARLOS No colo da rainha, o segundo filho, que chegou a ser chamado de Luís XVII pelos monarquistas quando seu pai foi morto. O BERÇO Deveria acolher a quarta filha, Sofia Helena Beatriz, que morreu enquanto Le Brun pintava o quadro. Para não quebrar o equilíbrio da pintura, optou-se por deixar o berço vazio LUÍS JOSÉ O primeiro delfim estava representado com um dedo diante da boca pedindo silêncio para o bebê no berço. Quando o quadro teve de ser retocado, após a morte da recém-nascida, o braço do menino foi pintado para parecer que ele oferecia o berço ao irmão. | ||||||
Genealogia de Maria Antonieta | ||||||
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Julgamento | ||||||
O julgamento no Tribunal Revolucionário duraria dois dias inteiros. Quarenta testemunhas de acusação foram ouvidas. Entre os depoimentos, foram descritos orgias e festins comandados pela rainha; detalhes da relação incestuosa com seu filho; assim como o caso homossexual com a condessa de Polignac. A Viúva Capeto negou todas as acusações - sobre o incesto, limitou-se a dizer: "A própria natureza se recusa a responder tal acusação feita a uma mãe. Apelo a todas as mães que possam estar presentes". NA SAÍDA, O VEREDICTO: FORA CONSIDERADA CULPADA DE TODAS AS ACUSAÇÕES. NO DIA SEGUINTE, A PENA DE MORTE SERIA CUMPRIDA. ANTONIETA FOI LEVADA À PRAÇA DA CONCÓRDIA, ONDE, ÀS 12H15, SUA CABEÇA FOI EXIBIDA AO PÚBLICO EXULTANTE. | ||||||
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